Os títulos de crédito no agronegócio

Instrumentos jurídicos e funcionais da atividade rural moderna

Leonardo Canuto | Fotos Divulgação

O agronegócio ocupa posição de destaque na economia brasileira, representando parcela expressiva do PIB, das exportações e da geração de empregos. Diante da necessidade de financiamento da produção rural em suas diversas fases, os títulos de crédito desempenham papel estratégico como instrumentos de fomento, securitização e captação de recursos.
Analisamos os principais títulos de crédito utilizados no setor agropecuário, com destaque para os dispositivos legais que os regulamentam e para sua aplicação prática, com base na jurisprudência dos tribunais superiores.
Fundamentação jurídica
Os títulos de crédito possuem natureza jurídica própria, sendo regulados por normas específicas e por princípios clássicos como a cartularidade, literalidade e autonomia. No setor agropecuário, além do Código Civil e da Lei Uniforme de Genebra (LUG), destacam-se a Lei n° 8.929/1994 (CPR), a Lei n° 11.076/2004 (CDCA, LCA, CRA) e, mais recentemente, a Lei n° 13.986/2020 (Lei do Agro), que reformulou significativamente o regime jurídico do crédito rural.
A funcionalidade desses títulos está diretamente vinculada à necessidade de liquidez e segurança nas relações comerciais do campo, viabilizando o acesso do crédito com garantias tipicas do setor.
Cédula de Produto Rural (CPR)
A CPR, instituída pela Lei n° 8.929/1994, é um título representativo da promessa de entrega futura de produto agropecuário, podendo ser física (entrega do produto) ou financeira (liquidação em dinheiro com base na cotação do produto). Sua emissão pode se dar em formato cartular ou eletrônico (Lei n° 13.986/2020), permitindo endosso, registro em entidade autorizada e inclusão de garantias reais e fidejussórias. A jurisprudência reconhece sua força executiva, conforme julgado do STJ: “A CPR é título executivo extrajudicial, apto à execução nos moldes do art. 784, III, do
CPC* (REsp 1.401.755/MT).
Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA)
Regulados pela Lei n° 11.076/2004, o CDA e o WA são títulos emitidos por armazéns credenciados, representando o depósito e a garantia de produtos agropecuários. Enquanto o CDA representa a propriedade do produto armazenado, o WA confere garantia real ao crédito vinculado à mercadoria.
O endosso do WA transfere ao credor a prerrogativa de execução sobre os produtos. Ambos possuem aceitação crescente no mercado, especialmente nas operações de financiamento estruturado com lastro físico.
Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) O CDCA é título de crédito nominativo e escritural, emitido exclusivamente por cooperativas ou empresas do setor agroindustrial, com lastro em direitos creditórios originados de negócios com produtores rurais ou suas cooperativas. Sua emissão é regulada pela CVM, especialmente quando há oferta pública. Funciona como instrumento de securitização de recebíveis e de fomento à cadeia do agronegócio.
aproximando capital privado de produtores.
Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) ALCA é título bancário, emitido por instituições financeiras, lastreado em direitos creditórios do agronegócio. Prevista na Lei n° 11.076/2004, possui isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas, o que a torna atrativa para investidores.
Além disso, goza de garantia do FCC até o limite legal.
Jurisprudência do TJSP destaca que a LCA, por possuir lastro real, confere segurança ao sistema financeiro, não se confundindo com títulos de risco elevado” (Apelação Cível n°
1003432-12.2020.8.26.0564).
Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA)
O CRA é título emitido por companhias securitizadoras, com lastro em recebíveis do agronegócio. A Lei n° 11.076/2004 define sua estrutura e a forma de emissão. Representa alternativa sofisticada de financiamento ao produtor rural e permite pulverização de riscos. Decisões judiciais têm reconhecido sua validade e a obrigação da securitizadora de observar os critérios da CVM e da boa-fé na oferta dos títulos (TJSP, Apelação n°
1016273-28.2021.8.26.0100).
A Nova Lei do Agro (Lei n° 13.986/2020)
A Lei n° 13.986/2020 trouxe inovações como o patrimônio rural em afetação, o Fundo Garantidor Solidário (FGS) e a Cédula Imobiliária Rural (CIR). modernizando o crédito rural. O patrimônio em afetação permite que o imóvel rural seja destacado do patrimônio geral do devedor como garantia de operações específicas. O FGS possibilita compartilhamento de riscos entre credores e devedores. A CIR, por sua vez, é título garantido por imóvel rural, com maior liquidez e segurança jurídica.
Os títulos de crédito voltados ao agronegócio cumprem função essencial no fortalecimento da economia rural brasileira. Sua correta utilização depende de segurança jurídica, regulação adequada e integração entre os agentes econômicos e financeiros do setor.
O aperfeiçoamento contínuo das normas e a jurisprudência estável são elementos-chave para a consolidação de um ambiente favorável ao financiamento da atividade rural, inclusive com maior participação de investidores privados e fundos nacionais e internacionais.
Referências bibliográficas
COELHO, Fábio Ulhoa. Títulos de Crédito. 17. ed. São
Paulo: Saraiva, 2022.
TERRA, Marcelo. Crédito Rural: Teoria e Prática. São
Paulo: RT, 2020.
TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário do Agronegócio. São Paulo: Malheiros, 2021.
REsp 1401.755/MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
3° Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 20/05/2015.
TJSP – Apelação Cível n° 1003432-12.2020.8.26.0564.
TJSP – Apelação n° 1016273-28.2021.8.26.0100

Leonardo Canuto é advogado e mestre em Direito Penal Empresarial.

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